<English version below>
Capítulo 1
Quando entendi que precisava de cura, fiz o que toda pessoa normal faz: abri o Google e entrei pelo buraco negro e infinito da internet. Eu buscava por um retiro. Um espaço e um tempo para que eu pudesse refletir, meditar e cuidar de mim.
Sempre fui uma pessoa bem espiritualizada, mas nunca religiosa. Na verdade, religiões normalmente me afastavam da fé. Então busquei algo que pudesse me trazer uma expansão da consciência, ao mesmo tempo em que respeitasse minhas crenças, ou a falta delas. Queria um lugar neutro, onde eu pudesse ser eu mesma, sem negociações ou julgamentos.
Eu não sabia se existia um lugar assim. Nem exatamente o que é que eu estava procurando. Ou precisando. Mas nosso amigo Google me fez uma sugestão que me agradou à primeira vista. Um retiro de silêncio no meio da floresta amazônica peruana. Doze dias. Cinco rituais de Ayahuasca. Um plano alimentar com base em plantas medicinais. Uma xamã da tribo Shipibo. Meditação. Paz.
Era o que eu queria. Mas se era o que eu de fato precisava, eu só saberia mais tarde.
A maioria das pessoas estranha quando queremos curar a nós mesmos. Por que tantos dias? Não acha que são muitos os rituais de Ayahuasca? Vai pagar para fazer jejum? Por que não procura algo parecido no Brasil? Vai mandar notícias, né? Será que tu volta? Não tem medo de quem tu vais ser quando voltar de lá?
Os questionamentos me fizeram refletir ainda mais sobre minha intenção e, claro, fazer uma verificação profunda com relação a equipe do retiro. Elio, o fundador se mostrou muito prestativo desde o início. Respondera a todas as minhas dúvidas e mensagens no Whats App.
Não haver nenhum brasileiros entre os ex-participantes me intrigava. Mesmo assim, fui.
Nunca fui muito de planejar. Especialmente em viagem. Vou a la loca e vejo sempre no que dá. Logo, não me preocupei muito em ler os diversos arquivos com instruções que Elio havia me enviado. Por sorte, me atentei à tempo para o fato de que poderia haver uma preparação para o período na floresta. E assim foi.
As restrições iniciavam duas semanas antes do retiro, começando por não comer carne de porco, não praticar sexo ou masturbação, não consumir bebida alcóolica, não consumir nenhum tipo de droga (nem mesmo maconha, dizia) e não fumar. Me pareceu simples e consegui manter a dieta com êxito. Na semana seguinte a coisa era mais rigorosa. Adicionando as restrições da semana anterior estavam não comer carne vermelha, não consumir bebidas fermentadas (o que incluía meu sagrado kefir), não consumir gorduras (eu vinha de oito quilos a menos conquistados com a dieta cetogênica), nada com açúcar refinado, pouco ou nada de sal e pimenta e o pior de tudo, nada de café ou estimulantes.
Eu podia ficar sem álcool e sem sexo, mas sem café eu me transformaria em um risco sério para a sociedade. Consegui sobreviver a semana, mas os primeiros dias me fizeram passar por uma crise de abstinência que incluía dores de cabeça fortíssimas. Ainda assim, sobrevivi. E o fiz sem matar ninguém.
Capítulo 2
Era sábado. Eu daria uma aula naquela manhã. Uma aula sobre propósito, de vida e para os negócios. Decidi abrir meu coração e contar o que se passava comigo. Eu não sabia se era depressão ou burnout. Pouco me importava. A mensagem que eu queria deixar era de que eu estava indo em busca de cura. E aquele momento era o início do processo.
Fui da aula direto para o aeroporto. Voaria de Porto Alegre à São Paulo, onde ficaria por algumas horas. Depois um vôo para Lima e, de lá, para Pucallpa, cidade do nordeste peruano, bem próxima do Sui Sui Center, para onde eu estava indo. Eu, minha mochila, e algumas ideias na cabeça.
A chegada em Pucallpa foi melhor do que o esperado. Havia reservado um hotel de preço razoavelmente baixo para os padrões brasileiros, mas de alto nível para os padrões da cidade. Já no aeroporto, havia um carro me aguardando para me levar ao hotel. No dia seguinte eu pegaria um dos muito mototáxis da cidade para encontrar com o grupo do retiro.
Mototáxis são como charretes puxadas por uma moto. Ou como um tuctuc tailandês. Achei divertido o passeio, mas a falta de qualquer regra de trânsito para esse tipo de veículo me deixou um pouco apreensiva durante o caminho.
Cheguei no ponto de encontro e facilmente identifiquei um participante. Cara de gringo, grande mochila, só poderia ser. E era. Aos poucos chegaram os demais. O grupo era composto por oito pessoas e um bebê. Dois australianos, três americanos, um inglês, uma canadense e eu. Anna, a facilitadora que nos buscou, explicou um pouco do que seria o trajeto até o Centro, alguns quilômetros de estrada de chão por meio de uma região bem rural, e vinte minutos de canoa. Enquanto ela explicava, tentávamos nos conhecer. Logo soube que eu era uma das duas novatas nesse tipo de processo de cura através de plantas medicinais.
Nos dividimos em dois carros e iniciamos o trajeto. Era uma pilha imensa de mochilas que passou de uma caminhonete para a canoa. O último trajeto era encantador. Navegar pelos lagos, em meio a floresta Amazônica parecia cena de filme. Toquei a água, sentindo a energia que me alimentaria pelos próximos doze dias. Era morna, convidativa.
Logo avistamos o Sui Sui Center. Uma grande casa central, algumas acomodações menores e, ao fundo, mata fechada. Seria esse o meu lugar ou, por mais uma vez, eu estaria de passagem? Minha vida urbana e conectada me fazia rejeitar a ideia de que alguém poderia vivem em um lugar assim. Que fosse então uma passagem transformadora.
Chapter 1
When I realized I needed to cure myself, I did what every normal person does: I opened Google and entered the infinite black hole of the internet. I was looking for a retreat. Space and time for me to reflect, meditate, and take care of myself.
I have always been a very spiritual person, but never a religious one. In fact, religions usually kept me away from the faith. So I looked for something that could bring me an expansion of consciousness while respecting my beliefs, or the lack of them. I wanted a neutral place, where I could be myself, without negotiations or judgments.
I didn’t know if there was such a place. Nor exactly what I was looking for. Or what I needed. But our friend Google made me a suggestion that pleased me at first sight. A silence retreat in the middle of the Peruvian Amazon forest. Twelve days. Five Ayahuasca rituals. A master plant dieta. A shipibo shaman. Meditation. Peace.
It was what I wanted. But if it was what I really needed, I wouldn’t know until later.
Most people find it strange when we want to heal ourselves. Why so many days? Don’t you think there are many Ayahuasca rituals? Will you pay to fast? Why not look for something similar in Brazil? You will send news, right? Will you come back? Aren’t you afraid of who you will be when you get back from there?
The questions made me reflect even more on my intention and, of course, make a double check regarding the retreat’s team. Elio, the founder was very helpful from the start. Answered all my questions and messages on Whats App.
Not having any Brazilians among the former participants intrigued me. Even so, I went.
I’ve never been much of a planner. Especially when traveling. I just go and see what happens. So, I didn’t bother much to read the various files with instructions that Elio had sent me. Luckily, I noticed them in time for the preparation.
The restrictions started two weeks before the retreat, starting with no pork, no sex nor masturbation, no alcohol, no drugs (not even marijuana, he said), and no smoking. It seemed simple and I managed to maintain the dieta successfully. In the following week it was more rigorous. Adding to the restrictions of the previous week were no red meat, no fermented beverages (which included my sacred kefir), no fats (I had lost eight kilos with a ketogenic diet), no refined sugar, little or no salt and pepper and, worst of all, no coffee or stimulants.
I could live without alcohol and sex, but without coffee, I would become a serious risk to society. I managed to survive the week, but the first few days put me through an abstinence crisis that included severe headaches. Still, I survived. And I did it without killing anyone.
Chapter 2
It was Saturday. I would teach a class that morning. A lesson on life and business purpose. I decided to open my heart and tell what was going on with me. I didn’t know if it was depression or burnout. I didn’t care. The message I wanted to leave was that I was looking for a cure. And that moment was the beginning of the process.
I went from class straight to the airport. I would fly from Porto Alegre to São Paulo, where I would stay for a few hours. Then a flight to Lima and from there to Pucallpa, a city in northeastern Peru, very close to the Sui Sui Center, my destination. Me, my backpack, and some ideas in my head.
The arrival at Pucallpa was better than expected. I had booked a reasonably low-priced hotel by Brazilian standards, but it turned out to be a high end one by city standards. At the airport, a car was waiting for me to take me to the hotel. The next day I would take one of the many moto-taxis in the city to meet with the group from the retreat.
Moto-taxis are like buggies pulled by a motorcycle. Or like a Thai tuctuc. The ride was fun, but the lack of traffic rules for this type of vehicle made me a little apprehensive along the way.
I arrived at the meeting point and easily identified a participant. Gringo guy, big backpack, there was no doubt he was one of the participants. And he was. Gradually the others arrived. The group consisted of eight people and a baby. Two Australians, three Americans, one English/American, one Canadian, and me.
Anna, the facilitator who came to guide us to the Center, explained a little of what the journey would be like: a few kilometers of dirt road through a very rural region, and twenty minutes by canoe. While she explained, we tried to get to know each other. I soon learned that I was one of the two newbies in this type of healing process using plant medicines.
We split into two cars. It was a huge pile of backpacks that went from a truck to a canoe. The last ride was charming. Navigating the lakes, in the middle of the Amazon rainforest, looked like a movie scene. I touched the water, feeling the energy that would feed me for the next twelve days. It was warm, inviting.
Soon we saw the Sui Sui Center. A large central house, some smaller accommodations, and, in the background, the woods. Would this be my place or, once again, would I be passing through? My urban and connected life made me reject the idea that someone could live in such a place. Let it then be a transforming passage.