A sós, eu e o tempo.

Ah o tempo,
essa entidade que ganha guarida
a cada prazo,
ou por obra do acaso
no que dizemos sincronicidades da vida.

É coadjuvante,
mas não quer esse papel.
Seu lugar é sob o holofote
enunciando, em voz estridente,
que estamos atrasados
e que a prioridade era outra.
Há de ser vidente!

A vida passa rápido
que clichê!
Mas de repente sou eu
a olhar o relógio sem entender
para onde foram as horas que eu jurava ter?

Tanto já disseram a respeito dele
que sinto não trazer nada novo
só a angústia de quem vê
o danado escorrendo por entre os dedos
antes que eu pudesse pedir socorro.

Dizem que ele pode ser inimigo ou aliado
Será? Só consigo ver um lado.
Pressão, envelhecimento
responsabilidade, atraso, ranço.
E quando a coisa tá boa,
e queremos que ele seja manso,
passa ele correndo.
Ô entidade à tôa.

Mas para uma coisa ele serve,
isso eu reconheço,
ele incita o início, espreme o meio
mas dá fim! Ô glória!
Deixa pronto o recomeço.

Eu gosto da finitude.
Gosto do renascimento e da transmutação
Porque não é na inércia
que se gera evolução.

E se é para brigar com alguém
da hora em que acordo
até alcançar a calma da terceira taça,
que seja com ele, que em mim já tem morada.
Um dia de cada vez,
não importa o que eu faça
sempre focando em ir além.

Ah, tempo!
O que dizer de ti,
amigo – ou inimigo – de infância?
Senão que andamos juntos
sempre atendendo o ritmo da emoção?

Mas precisamos ajustar uma coisa,
será que podemos?
Quando bater mais rápido o coração,
segure os ponteiros pela mão.
Dê mais chronos ao kairós,
e prometo que daqui, seguiremos nós.
Andando. Passo a passo. A sós.

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Suspiro

Fui pesquisar sobre a origem da palavra escrever. Gosto de estudar sobre isso. Muitas vezes não nos damos conta do quanto a própria representação gráfica diz sobre o seu significado. Pois bem, escrever vem de “marcar com estilo”. Talvez venha daí o motivo de, em algumas línguas de origem latina, caneta se chamar estilo (ou derivados). Mas pouco sei eu sobre essas coisas. É só mais uma vez o meu olhar curioso de jornalista carregando meu foco para aquilo que não está na pauta.

Às vezes isso me incomoda um pouco, mas também já aprendi que isso faz parte do meu processo. A mensagem chega, preciso seguir sua orientação. Por vezes, o que ela traz é um texto pronto. Ou um poema. Por outras, é uma ideia. Ou um início. E dessa mistura entre magia e trabalho braçal, sai o meu escrever. O meu estilo marcado.

Esse final de semana li A Hora da Estrela. Um livro da Clarice Linspector. O último que ela escreveu. Eu já havia lido esse livro antes, mas não lembrava dele e, como obra do acaso, o título apareceu na minha cabeça para nunca mais sair. Comprei um exemplar para chamar de meu. Como disse, aprendi a aceitar essa conexão com o divino (seja ele o que for).

O livro desafia a realidade escancarando a realidade. Mas como? Impossível explicar! Uma mistura de verdade que insistimos em jogar para baixo do tapete, com uma chuva de pensamentos desconexos – ainda que cheios de nexo – que surgem justamente no escrever. A protagonista tá ali, atrapalhando a vida do autor (sim, ela mesma se retira desse papel nesse livro). Ela precisa nascer, precisa ganhar vida. E enquanto isso não acontecer. Pode esquecer da vida. Do foco. De qualquer tentativa de produtividade.

Longe de mim querer me comparar com a Clari. Mas como me conectei a esse processo! Talvez tenha sido por isso que o universo tenha insistido comigo para que eu relesse a obra. Para que eu entendesse que somos todos canal. Para alguns, a mensagem se manifesta em texto, para outros, talvez em bolo de fubá. Vai saber…

O importante é estar atento. “A sobrevivência depende da sanidade, e a sanidade consiste em prestar atenção. A qualidade da vida é sempre proporcional à sua capacidade para o deleite. A capacidade de se deleitar é o dom de prestar atenção.” Eu sei, você deve estar pensando que essa frase é da Clari. Mas não é. É da Julia Cameron, mais uma das autoras que tem dividido a mesa comigo nas últimas semanas. Como é bom ler mulheres. São geniais!

Mas não vou terminar esse texto com frase da Julia, sendo que foi a Clari que o inspirou. Ao invés disso, vou conectá-las. Afinal, gerar conexões é um dos grandes prazeres da vida. Ao menos da minha. Vou então dizer que prestar atenção gera curiosidade. Gera perguntas. E…

“Enquanto tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história já havia monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o que estou escrevendo.”

Termino aqui, com um suspiro. Apenas.

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Caminhante

Sou caminhante.
Aprendi o conceito não muito tempo atrás
E logo entendi que fazia parte
Dessa gente que segue
Mesmo sem saber para onde vai.

Diz o coelho branco que,
“Se não sabe onde ir,
Qualquer caminho serve”.
Sem destino,
Permita-se se perder.

E como se perder
Se o todo é desconhecido?
Quando foi que nos encontramos?
Se qualquer saber
Nada mais é do que uma ilusão
Da nossa fértil imaginação?

O caminho se faz caminhando.
Já dizia o poeta.
E a beleza não está na chegada,
Está no processo.
Está no andar.

Não sou feita de sonhos audaciosos
Mas de passos.
Um. Depois o outro.
Se não há trilha.
Faça. Faço.

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Engenheirização

Cresci ouvindo sobre a dualidade entre exatas e humanas. Um é racional, o outro, emocional. Um toma decisões com base em análises estatísticas, o outro, confia na sua intuição. Um gosta de números, o outro de pessoas.

Tudo balela! Vamos combinar? Não tem como fazer análises frias, quando falamos de gente (e empresas são gente, clientes são gente, comunidade é gente!). E Não tem como manter a sustentabilidade de qualquer negócio achando que dados não importam.

Eu mesma me vejo tão no meio disso tudo. Adoro as possibilidades de análise que podemos fazer a partir de fatos e, ao mesmo tempo, me vejo aqui entre textos e poemas, abraçando a filosofia do que não pode ser compreendido.

Mas o cenário não nos permite mais aceitar o não compreendido. Não nos permite o não compreender. Perdemos a filosofia, perdemos o romance, perdemos o apreço pelo que nos envolve, conquista, cativa. A gente não sensualiza mais. Quer ir direto ao ponto. Sem preliminares.

As empresas estão abrindo as portas para engenheiros com fórmulas prontas, que dominem o algorítimo e entreguem resultado. Nem que seja um resultado mecânico, manipulador. E as portas estão se fechando para quem gosta da magia que envolve o ser (humano). É a engenheirização do trabalho. Uma pena. 

É menos emoção e mais 10 dicas infalíveis. É menos se perder, e mais ser encontrado. São planilhas de receitas mágicas com feitiços prontos ainda que, veja só que irônico, não reconheçam a validade do encantamento.

Não precisava ser assim, mas lá vamos nós polarizando as coisas de novo. Um board de matemáticos lidando com… pessoas! Dados, números, métricas. Onde fica o espaço da imaginação, da criatividade, das possibilidades? Imagino Edgar Morin soltando gargalhadas a essa altura.

Mas não quero passar aqui por alguém amargurada, sofrendo de um recalque que não me pertence. Se isso nos chega a um preço, logo a gente dá um jeito de banaliza-lo. Aguardem. Muito em breve, na faculdade EAD mais perto de você: engenharia das artes, engenharia da comunicação, engenharia da biologia, engenharia da (complete aqui com o que você quiser).

Mas talvez esse texto não chegue até você. Afinal, ele foi escrito por uma jornalista, não por uma copy writer. Ele não foi criado dentro da estrutura que o SEO pede. E ele não tem palavras chaves. Se o título fosse “três passos para atrair seguidores”. Mas não. É um texto com palavras inventadas! Que dureza!

Poesia é ar, informação é terra. Que a água nos lembre da fluidez e da infinitude, ainda que com profundidade. E que o fogo ilumine um caminho de diversidade que possibilite a alquimia perfeita para um novo presente. Encontrar o caminho do meio é dar asas à imaginação enquanto os pés tocam o chão.


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Sim, eu posso!

Domingo fez um mês desde a minha primeira aula de taekwondo. E como é interessante perceber a minha mudança em relação a percepção de tempo de lá para cá.

No início, eu, uma faixa branca de 40 anos, me propondo a começar algo do zero, me vi numa situação de absoluto desconforto. Eu estava ocupando o lugar de pessoa que menos sabe na sala. E quem me conhece sabe, esse não é um papel que gosto de desempenhar.

Nada dava certo! A flexibilidade que eu sempre tive, estava completamente enferrujada. A facilidade que eu julgava ter para aprender, se viu prejudicada entre golpes, movimentos, sequências, posição dos pés, dos dedos, dor, socorro…! E no meio disso tudo, comandos em coreano, nomes em mandarim, uma qualidade de líder, uma frase, uma meta… Se tinha uma imagem de caos, era eu tentando me encontrar no meio a tantas novas informações. E eu nem falei das armas…

As aulas passavam e eu parecia não sair da primeira. O tempo parou! Chegava em casa e buscava vídeos para eu não esquecer dos movimentos. Comecei coreano no Duolingo, baixei vocabulário específico… Enfim, abracei o desconforto. Queria escrever, mas dividir com quem não pratica, seria já me impulsionar para um lugar de quem sabe mais. E eu quis permanecer aprendiz.

Aos poucos, as coisas foram melhorando. Todos ainda sabem mais do que eu, incluindo as crianças, mas hoje o desconforto já não é mais tão grande. O corpo obedece melhor, a mente busca por referências que, pasme, me levaram aos 11 anos de patinação artística. A flexibilidade melhorou, a coordenação melhorou, a disposição melhorou e a energia nem se fala… se expandiu para outras áreas da minha vida. As dores seguem, e acho que ainda seguirão por bastante tempo.

Hoje recebi o brasão, simbolizando a realização da minha primeira meta: praticar atividade física com consistência. Pode parecer fácil, mas pra quem vive na intensidade como eu, buscar a consistência e estabelecer um novo padrão é extremamente difícil. Eu vou, talvez, no sentido oposto da maioria dos colegas. Andar para cima eu sei, preciso aprender a andar para o lado.

Agora, passado um mês, a sensação é de que se foram três. Já aprendi uma enormidade de chutes e novas palavras. Ainda tenho muita dificuldade com flexões, mas a alegria de chutar – e quebrar – a madeira compensa. Conheci uma filosofia linda que, vejam só, usa a natureza como metáfora para o desenvolvimento. Da semente que precisa ser nutrida, passando pela planta que busca o sol, até chegar numa árvore que, por si só, rende novas sementes, é um ciclo lindo que se retroalimenta. Não parece o fit perfeito com quem estuda ciências holísticas?

Saímos em recesso, eu mumificada em salompas e com o cotovelo da Senhora Solange tatuado no pé (quem mandou chutar?), mas louca pelo retorno das aulas. E se teve algo que contribuiu fortemente para o atingimento da minha meta, foi justamente o fato de ter me apaixonado por essa modalidade. Hoje, pensar que sou uma faixa branca de 40 anos não me traz desconforto, mas orgulho por ter me permitido começar algo novo. E volta e meia me pego rindo ao xingar em pensamento o Senhor Miguel ou o Senhor Augusto por algum novo músculo descoberto no corpo.

Seguimos com confiança, afinal, essa é a qualidade do próximo trimestre. Porque sim, eu posso – qualquer coisa que eu quiser.

Pode ser uma imagem de texto que diz "m ATA"


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Me sopra

Vento que vem e vai
Arrasta, carrega, varre
Leva para longe o que não precisa estar
E sopra macio o que precisa chegar

Rodopia de baixo para cima
Se enrola criando um furacão de energia
De dentro para fora
Expande, explode, emana

Iansã chega balançando a saia
Mostrando a força de um coração valente
É guerreira, dona de si
Conquista tudo – e todos

É vento que mostra caminho
Que abre caminho
Que fecha caminho
Redireciona, reimagina, reinventa

Tem quem tente se esconder
Mas é difícil passar ileso ao tornado
É como um abraço
Carrega para dentro, inclui

E da sua abstração mágica
Nos percebemos parte
Uma brisa que bate, rebate e transforma
Somos agora parte dessa ventania

Assim é o vento
Ganha força
E força o movimento
Afinal, ninguém nasceu para ficar parado!

Me sopra
Me leva
Feliz de quem pode voar contigo
Epahei!

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Poema do absurdo

Absurdo!
Ensurdece, cega, paralisa
Que pena que não mobiliza!

É porque a gente normaliza
Vive uma resignação coletiva
Que a gente insiste em chamar de resiliência

Falta inteligência
Emocional
Para lidar com a pancada e não cair
Talvez balançar, mas reagir

Reaja!

O mundo não tem heróis de estimação
Depende da nossa força
Da nossa movimentação

Somos curadores de realidade
Não quem seleciona
Quem cura
As dores

Absurdo!
Desagradável ao ouvido
Repugnante à razão
Aceite a emoção

Reaja!

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Adeus

Capítulo 27

Encontrei com Heidi na cozinha, que me disse que havia ficado preocupada comigo. Engraçado que na noite anterior eu pensei sobre o quão importante havia sido eu ter pedido ajuda quando precisei e, considerando essa hipótese, pensei que seria à ela que eu recorreria. Muito simpática, me explicou que estava acontecendo uma greve na cidade e que eu deveria me informar sobre como eu deveria fazer para ir ao aeroporto.

Ficamos mais de hora conversando, enquanto ela tomava seu café da manhã. Eu, no auge do enjôo da noite anterior, havia prometido à Noya Rao que faria jejum até as 18h, então estava só no chá de coca. Heidi me contou que ama o Brasil. Falou sobre Alto Paraíso de Goiás, que era um lugar que apresentou uma luz diferente em fotografias feitas pela NASA e é também onde existem bruxas muito sábias. Nada daquilo fazia sentido para mim, mas eu tava curtindo o papo e botando pilha para que me contasse mais.

Começamos a falar de cura e de neurociência. Ela me recomendou pesquisar sobre Joe Dispenza, um neurocientista que fala sobre o despertar de uma nova consciência e que, inclusive, estaria no Brasil em agosto. Ela também me contou que havia ido conhecer “John of God” e do quanto se surpreendeu com os crimes que João de Deus havia cometido. Por fim, insistiu muito para que eu experimentasse São Pedro, o tal cacto que, assim como a Ayahuasca, é conhecido como uma planta medicinal.

Ainda encontrei com Ingrid, a quem pude abraçar e agradecer pelo carinho e hospitalidade antes de sair para mais uma caminhada. Eu precisava matar um tempo até meu vôo, então fui atrás de um Centro Comercial Artesanal que havia visto na volta da Montanha Colorida. As pernas continuavam doendo muito, mas teria alguns vôos pela frente e entendia que a caminhadinha poderia me fazer bem.

Em função da greve, muitas lojas estava fechadas, então acabei comprando algumas coisas pelo Centro mesmo. Ainda assim, foram mais de 6km pela cidade. A passos bem pequenos e na velocidade lesma cansada, mas fui. Pequei um Uber para o aeroporto e consegui antecipar meu vôo de Cusco para Lima. Sabia que em Lima haveria um lounge da One World onde eu poderia me abancar antes do vôo.

A despedida mais incrível que eu poderia pedir me foi oferecida pela paisagem vista durante todo o trecho. A magnanimidade dos Andes e os cumes despontando acima das nuvens criavam imagens que dificilmente irei esquecer. Sorri, enquanto agradecia por essas férias tão leve quanto intensa, tão dolorida quanto feliz, tão despretenciosa quanto enriquecedora. Aquela pontinha da montanha era eu, minha vida, se negando a ficar no mundo dos homens, e buscando meu lugar em dimensões que poucos acessam. A montanha era eu na força da sua estrutura, com os pés firmes no chão, mas com os sonhos bem altos, sem limites. Era hora de testar as asas e ver até onde meu vôo me levaria.

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O pesadelo da Montanha Colorida

Capítulo 25

Quando cheguei na Casa da Ingrid só conseguia pensar no que seria de mim no dia seguinte. Havia combinado com o Nathan de irmos à Montanha Colorida e a Ingrid já tinha organizado tudo. Respirei fundo, confirmei com o Nathan e rezei para acordar melhor no dia seguinte. O Nathan ainda me disse que havia passado bem mal o dia, que a altitude o tinha pego de jeito. Ainda cansada, decidi sair para jantar. Afinal, eu só havia almoçado às 11 da manhã e teria que madrugar no dia seguinte.

———

Eram 4h30 quando recebi uma mensagem do Nathan desistindo do passeio. Dizia que havia passado boa parte da noite acordado, com enjôo e vômito. Eu queria desistir também, mas decidi encarar e, às 5h30, estava pronta, esperando pelo ônibus que passaria para me buscar.

Assim que encontrei um lugar, fechei o olho e voltei aos sonhos. Sabia que andaríamos por volta de duas horas até a cidade de Cusipata, onde pararíamos para tomar um café da manhã. Estava eu sozinha, em um grupo de aproximadamente 30 pessoas. Sentei ao lado de uma Equatoriana simpática, mas que pouco conversava. Agradeci aos céus por essa dádiva. O café da manhã aconteceu numa casa meio abandonada. Uma espécie de armazém vazio + mercadinho oportunista + duas mesas compridas com pão e manteiga. Depois ainda apareceu uma mini fatia de omelete.

Comi o pão com manteiga e logo lembrei que ainda não poderia comer nenhum derivado de leite. Dor de barriga na certa. Comi o omelete, tomei um chá de camomila e voltei para o ônibus. Seriam mais uma 1h15 de viagem até o pé da montanha e cada minuto de sono contava.

A Montanha Colorida fica à 4,5 mil metros de altitude, com um trecho final que chegava à 5 mil. O oxigênio ali, é equivalente a 50% do que temos disponível a nível do mar. E isso a gente sente logo na chegada. A sensação é péssima. Puxa o ar e ele não vem. O coração acelera. O corpo sente o cansaço mesmo sem se mexer. E para piorar, olhei para frente e vi que a trilha era longa e bem hard core. “Por que eu fui inventar de descer Machu Picchu a pé? Por quê?”, era só o que eu pensava.

Comecei a subida, devagar e sempre. A trilha era bem disforme e cheia de obstáculos, então era preciso ficar atenta. Olhava para a frente e sentia que o fim nunca chegaria. A cada distância percorrida, um tempo para descansar. Mas era só dar os primeiros passos de novo para  se sentir no final de uma maratona. Devo ter caminhado perto de um quilômetro quando decidi que alugaria um cavalo para me ajudar no trajeto. Eu havia lido à respeito. Existia esse serviço, ainda que os bichinhos não fossem até o fim, mas a maioria das pessoas desencorajava. Do que eu havia lido, depoimentos de cavalos cansados que até se ajoelhavam em função da exaustão física. Eu, claro, havia decidido ir com minha próprias pernas. Mas essa decisão não durou muito tempo.

A verdade é que na frente do cavalo, vai uma pessoa “dirigindo”. Ou seja, se o cavalo tá cansado, pode apostar que tem sereshumaninhos cansados também. Assim, achei, ou quis acreditar, que nenhum animal seria exposto a um trabalho além do seu limite, já que a medida era exatamente o limite de um ser pensante. Ainda assim, fiz o caminho todo conversando com meu cavalinho e fazendo carinho no pescoço e nas orelhas. Eu precisava dele naquele momento e ele precisava me perdoar por isso.

Quando o moço indicou que eu descesse, olhei para a frente e não pude acreditar na incrível subida que teria que encarar. Era tão íngreme que haviam cordas para que pudéssemos ajudar as pernas com os braços ao mesmo tempo em que poderíamos tentar manter o equilíbrio. Foi muito sofrido! A parte boa, no entanto, são as amizades que se faz nos momentos de desespero. Claro que os bem preparados passavam lotados rumo ao cume, mas entre os mortos-vivos, muito apoio moral e camaradagem. Uma moça inclusive fazia um discurso, entre tentativas de encontrar oxigênio, dizendo que estava orgulhosa por termos todos chegado até ali.

Por fim, cheguei ao topo. Não conseguia admirar a paisagem ou sequer procurar as tais sete cores da montanha. Eu precisava sentar e tentar recuperar o fôlego. As pernas tremiam, as mãos tremiam, meu corpo doía e eu sentia vontade de desabar no choro ali mesmo, aos pés da turistada faceira por ter chegado até ali. Logo lembrei da minha quinta Cerimônia e do quanto eu havia entendido que precisava respeitar meu corpo e meus limites, e o quanto eu estava fazendo tudo errado de novo.

Finalmente levantei. Olhei para a Montanha e para toda a sua complexidade, sorri, e entendi que era hora de voltar.

A descida me exigia menos dos pulmões, mas ainda mais das pernas, já incrivelmente doloridas do dia anterior. Agarrada à corda, dava passos curtos e, por vezes, escorregadios. Uma menina atrás de mim me encorajava. Estava seguindo meu ritmo. Juntas iríamos até o fim. Me sentia como se estivesse bêbada, sem controle das pernas, trôpega.

Ainda assim, entendi que não precisaria de cavalo para a volta. E não demorou muito para que eu entendesse que eu havia entendido errado! Eu sentia muita dor. Queria me jogar no chão e ficar por ali mesmo. Sentava um pouco sempre que dava, mas ao mesmo tempo, queria chegar logo de volta e me acomodar no ônibus. Mas aquilo parecia interminável. A cada curva na montanha, mais trilha e mais trilha. E nunca enxergava o fim. Eu rezava, tomava água, entoava mantras. Pedia ajuda à Noya Rao para que me desse forças, mas o que ela me deu foi o gosto da medicina ainda mais forte.

Eu estava vivendo tudo aquilo de novo. O terror da falta de ar, do enjôo, da dor, do medo. Cambaleava na terra vermelha, agora consciente do quanto eu havia falhado comigo mesma. Me transportei para aquele momento na Maloca, em que Anna segurava a minha mão e me guiava na respiração, para que eu me acalmasse e recuperasse o fôlego. Repetia cada movimento, revivia cada recomendação. E, aos poucos, um passo de cada vez, fui chegando mais perto da chegada. Quando finalmente cheguei no ônibus, mal consegui sentar.

O mal estar era tão forte, que só o que eu podia fazer era dormir. Não teria forças nem para levantar e sair do ônibus caso precisasse vomitar. Novamente, me concentrei na respiração, contada cada inspiração e cada expiração. Aos poucos fui adormecendo.

Quando chegamos de volta no lugar onde tomamos café da manhã, dessa vez para almoçarmos, tudo o que eu queria era permanecer no ônibus. O simples ato de levantar da poltrona e, pior ainda, descer as escadas do ônibus, me fizeram o estômago revirar. No almoço, comi algumas colheradas de sopa, tomei um chá mate doce, e fui para a rua tomar um ar. Por sorte, não demorou muito para que todos estivessem de volta e para que eu pudesse voltar ao sono.

Nesse dia eu não consegui subir a pé pelo Centro até a Casa da Ingrid. Peguei um táxi, tomei um banho e caí direto na cama, de onde eu só saí na manhã do dia seguinte.

Capítulo 26

Nathan, Tatiana e Elyse haviam ido ao Vale Sagrado e me enviavam mensagens para que fosse para lá também. Eu não queria me ver obrigada a nada, queria apenas descansar. Assim, fiquei em Cusco mesmo. Só saí do quarto para almoçar, e ainda assim, com muito esforço. Antes de sair, conheci Heidi, uma pessoa do mundo. Deve estar na casa dos 60 anos, se disse havaiana, apesar da pele clara, dos olhos azuis e dos cabelos loiros. Ainda assim, disse que vive no mundo há mais de cinco anos, então não se considera de um lugar só. 

Depois do almoço, resolvi dar uma caminhada de leve pela cidade. Precisava encontrar uma farmácia para comprar um relaxante muscular e dar uma soltada na musculatura que tava toda rígida e contraída. Na Plaza de Armas, uma surpresa agradável. No mês de junho se comemora o aniversário de Cusco, junto com o solstício de inverno. E como parte das celebrações, é realizado um campeonato de dança entre todas as escolas da cidade, públicas e particulares. Me diverti muito com as danças, especialmente dos pequenos, que mostravam concentração e entrega à coreografia.

Fiquei ali, sentada em frente à igreja, assistindo a cada uma das turmas. Um dos policiais, sempre muito simpáticos, foi quem me explicou sobre o que estava acontecendo.

Com o relaxante muscular tomado, voltei para a pousada. Tinha ideia de dar uma volta à noite. Havia pesquisado alguns lugares interessantes para dançar e conhecer gente, mas Noya Rao me colocou no meu lugar. Se eu ainda não havia aprendido a cuidar de mim, ela iria fazê-lo a todo custo. Primeiro veio um enjôo super forte e, na sequência, uma diarréia sem fim. Fiquei horas entre o quarto e o banheiro, até que finalmente dormi, de roupa e tudo, sem banho e sem escovar os dentes. Só acordei no dia seguinte.

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Machu Picchu

Capítulo 24

Era chegado o grande dia. Era 5h15 quando cheguei na fila do ônibus que me levaria à Machu Picchu. Tive que aguardar até às 6h30 para embarcar, mas ao menos eu estava na primeira saída do horário das 7 horas, o que me permitiu sentir Machu Picchu só para mim. Quem não quisesse pagar a subida de ônibus poderia fazer a trilha morro acima e, enquanto subíamos, avistávamos alguns corajosos. A subida é forte, íngreme e longa. Os que optam por esse trajeto certamente chegam bem cansados lá em cima.

Por fim, entrei. É inexplicável a sensação de entrar numa cidade considerada sagrada. Toda sua história, toda sua arquitetura, toda a sua beleza… tudo o que aquele lugar representa faz todos os pelinhos do corpo se arrepiarem. E para que a coisa fique ainda mais impactante, a construção fica entre montanhas majestosas e de uma natureza incríveis. É realmente de tirar o fôlego.

Resolvi não contratar guia. Queria caminhar pelas ruínas ao meu tempo, tentando entender por mim mesma o que cada cantinho teria a me dizer. A história eu já conhecia, eu queria mesmo era sentir. E assim eu fui…

A caminhada não é fácil. São muitos sobes e desces em degraus altos e desnivelados. Ainda que o local ficasse mais baixo que Cusco e, assim, facilitasse um pouco a respiração, é preciso um bom preparo físico para encarar cada subida. Para quem tem pernas curtas, então, é certeza de dor no dia seguinte. Mas com ou sem dor, fui andando e absorvendo toda aquela beleza enquanto admirava as construções e a grandiosidade de tudo aquilo.

Não achei que tivesse muito turista, ao menos não naquele horário, ou não seguindo meus passos não convencionais para quem visita o sítio arqueológico. Assim, fiz belas fotos e parei em cada lugarzinho que tinha algo a me dizer e contemplei a paisagem. Ainda antes de sair, encontrei um cantinho meio afastado, onde pegava um raio de sol. Sentei ali e meditei, com o intuito de captar um pouco daquela energia, mas também de dedicar minha atenção plena como forma de agradecimento pela experiência que eu estava vivendo.

Quando saí do parque, percebi que havia passado duas horas por ali. Olhei para a placa informando sobre a trilha e decidi que desceria a pé. Descendo logo nos primeiros degraus, encontrei um casal subindo. Perguntei se a trilha valia a pena. “Sim. Não é muito difícil. Se vai devagar, descansando no caminho, é tranquilo”, disse o moço, num vermelhão. Falei que tinha dúvidas em função das minhas pernas curtas, mas a moça me encorajou, mostrando que ela sofria do mesmo problema e havia chegado até ali. “É uma descida, afinal de contas, não tem como dar errado!”, pensei eu enquanto colocava algumas músicas de meditação e mantras que eu havia baixado na noite anterior.

O grande problema de se optar pela trilha, é que não tem volta. Não dá pra parar um ônibus no meio do caminho, nem para cima, nem para baixo. E posso dizer que já na metade da trilha eu percebi meu erro. De fato, os degraus era muito altos e logo minhas pernas começaram a sofrer. O tornozelo sentia o primeiro impacto, que passava pela canela, panturrilha e joelhos, mas acho que o pior ainda era nas coxas. Eram elas que seguravam o corpinho até que o pé da frente alcançasse o chão.

Parei algumas vezes no caminho para descansar, mas nada impediu a tremedeira que deu quando finalmente cheguei na ponte por cima do rio das Águas Calientes. Logo ali era a guarita de controle para subida ao Parque. Me sentei por ali mesmo e fiquei, com a esperança de que em breve recuperaria meus movimentos para seguir a rota, agora no plano (ao menos era assim que eu lembrava).

Quando decidi seguir, percebi que havia cometido um grande erro e que essa visita à Machu Picchu seria lembrada e sentida no corpo por alguns dias. A parte plana não era nada plana. E também não era nada curta. Algo perto de 3km, morro acima, me arrastando conforme dava. E minha pousada ficava no topo do morro, lá em cima. Quase a última. Resolvi parar no meio do caminho e almoçar. Eram 11 horas. Eu estava caminhando há duas, acordada há mais de seis. Achei que fazia sentido.

Já no trem, de volta à Cusco, voltei a sentir a euforia que havia sentido na ida. E ela só aumentou quando entrei no ônibus em Ollantaytambo. Sentia como se já tivesse vivido aquele dia de alguma forma, em alguma vida, dimensão, espaço e tempo.

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