Esses dias eu resolvi que iria azucrinar meus amigos. Sabe assim, quando a gente fica se fazendo de doida? Incomodando? Pois fiz isso! Deixei eles bem malucos com minha falta de equilíbrio fictícia. Até que o Xandão disse que eu tava sem rodinhas. Achei tão engraçada essa analogia. Desequilibrada, sem rodinhas. Hã, hã. Captou?
Aí pegou a coisa. Se tô um pouquinho mais agitada, pronto, tô sem rodinhas. E ontem eu tava assim! Daí eis que entra um twitt da Deh indicando um texto da Martha Medeiros cujo título era qual? Qual? “A vida sem rodinhas”! É ou não é uma conspiração do universo?
Pois li o texto e constatei que quero mais é ser sem rodinha mesmo. Desequilibrada não, mas independente, livre pra andar por minha conta e risco. Quero me abalar com ventos fortes, curvas acentuadas e buracos no chão. Quero ultrapassar todos esses obstáculos e sentir aquele friozinho na barriga que sempre aparece quando a adrenalina sobe. Adoro friozinho na barriga!
Quero me desafiar todos os dias. Quero andar cada vez mais rápido. Devagar demais a gente cai. Quero mais é acelerar. “É preciso saber viver sem um suporte contínuo, para que se possa firmar o próprio caráter. Quem não sai da barra da saia da mãe, nunca consegue se equilibrar sozinho. Quem não solta a mão do pai, não vira homem.” – grande Martha.
Eu lembro de quando comecei a andar de bici sem rodinhas. O tio corria atrás de mim, segurando o banco, e soltava. E eu ía… faceira! Até chegar o momento de fazer a curva. Nessa hora era bicicleta pra um lado, Beta pro outro! E o tio chegando correndo pra socorrer. E mesmo aos trancos e barrancos, uma vez que andamos sem aquele apoio constrangedor, percebemos o quão sem graça eles são. Porque o que a gente quer mesmo é a emoção no novo, do desafio… O bom mesmo é viver a vida sem rodinhas… Mesmo que a gente demore pra aprender a fazer a curva!
Texto da Martha Medeiros:
A vida sem rodinhas
Quando é que sabemos que estamos aptos a andar por nossa conta?
Lembro que nos momentos importantes da infância, e também nos desimportantes, meu pai estava sempre a postos empunhando uma máquina fotográfica. A consequência disso? A cada gaveta que eu abro aqui em casa, jorram fotos diversas, sem contar as que estão confinadas em álbuns e porta-retratos. Dessas tantas, há uma pela qual tenho um carinho especial: é uma foto em que estou andando de bicicleta, aos 5 ou 6 anos de idade. Naquele dia eu andei sem rodinhas pela primeira vez. Dei várias voltas sem cair, até que meu pai clicou o flagrante: a pirralha com a maior cara de vencedora, dona do campinho, se achando. Eu realmente estava degustando aquela vitória. Se a foto tivesse legenda, seria: Viu?.
As rodinhas são uma base protetora para iniciantes, uma segurança para quem ainda não tem domínio da coisa. Que coisa? Qualquer coisa. Me corrija se eu estiver errada: a gente usa rodinhas até hoje.
Quando se escreve um livro, por exemplo, as rodinhas são a parte não ficional, o sentimento de verdade, vivido, com o qual a gente ampara a ficção.
Quando se tem um filho, as rodinhas são a herança da educação que nossos pais nos deram, a parte hereditária que, mesmo questionada, sustenta nossas primeiras decisões.
Quando nos apaixonamos, as rodinhas são a repetição de certos clichês, a apresentação dos nossos ideais e certezas, mesmo sabendo que em breve entraremos em terreno movediço, desconhecido.
Quando se aceita um emprego, as rodinhas são a nossa experiência anterior, o que facilita a arrancada, mas depois é preciso andar sozinho.
Sempre chega a hora de tirar as rodinhas. Medo e êxtase.
Viver sem elas torna tudo mais perigoso, vulnerável, e ao mesmo tempo, emocionante. Nos faz voltar a ser crianças: será que estou agindo certo, será que não estou indo rápido demais, ou lento demais? Atenção: lento demais, cai.
É preciso saber viver sem um suporte contínuo, para que se possa firmar o próprio caráter. Quem não sai da barra da saia da mãe, nunca consegue se equilibrar sozinho. Quem não solta a mão do pai, não vira homem.
Não se trata de dispensar amor. Estamos falando de rodinhas, lembre. Apoio.
Quando é que sabemos que estamos aptos a andar por nossa conta? Se o assunto é bicicleta, aos 5, aos 6, aos 7, até aos 10 anos, dependendo do ritmo e da estabilidade de cada um.
Quando se trata da vida, também depende. Mas usá-las para sempre te impedem de sentir o gostinho de conseguir, de vencer, de atingir suas metas por si só.
Te impedem de perguntar: “Viu?”.
Permita que os outros vejam o quanto você pode.