Capítulo 21
Era chegado o tão esperado momento de retornar à civilização. Mochila feita, mesmo que a meia luz, aquele tchau para aquela que havia sido minha casa por doze dias e logo estávamos nós no barco, lago Cachiboca acima. A divisão foi a mesma da ida, então fomos Elyse e Felix, Tatiana, Adelina e eu. Chegando em Pucallpa, nos despedimos com planos de ainda jantarmos juntos. Fui sozinha no meu mototáxi para o hotel onde havia me hospedado na chegada à cidade.
O caminho no táxi foi interessante. O motorista não pareceu uma pessoa muito encabulada, fazendo muitas perguntas e comentários sobre tudo o que eu dizia. Chegou a perguntar se eu era casada e tinha filhos e, quando eu disse que não, resolveu me dar uma palestra sobre o tema. Acabei encerrando o assunto logo depois.
Chegar no hotel foi divino. Abrir a mochila, espalhar as roupas, conectar o telefone pela primeira vez e tomar um banho daqueles de lavar a alma. Reorganizei tudo com calma, tentando colocar nos lugares mais inacessíveis as peças de roupa suja que não seriam mais usadas. Respondi algumas mensagens, dei aquele alô para a família e desci para almoçar.
Obedeci as restrições indicadas por Juanita, mas ainda assim, o corpo acusou que dali para a frente, as coisas seriam diferentes. Um fetuccini com camarão e um molho picante, junto à uma limonada fresca “pero sin hielo”, foram suficientes para que eu não sentisse mais fome o dia inteiro. A tarde ainda fui caminhar por Pucallpa. Estava há algumas quadras do Mercado No. 2, uma espécie de mercado público municipal bem tradicional dali. Aproveitei também para passar no banco e sacar um dinheiro para os próximos dias.
Quando Nathan me enviou a mensagem sobre o restaurante para o jantar, meu telefone resolveu parar de funcionar. Tentei recuperá-lo de todas as formas, mas só consegui uma resposta, ainda que sem nada do meu histórico, apps e dados, às 22h30. Claro, acabei não indo ao jantar, mas estava ok com isso. O vôo para Cusco sairia às 6h30 do dia seguinte, então precisaria acordar bem cedo.
Capítulo 22
Depois de madrugar para chegar em tempo do vôo às 6h30, e de aguardar por algumas horas no aeroporto de Lima, finalmente cheguei em Cusco. De Pucallpa à Lima viajei junto com Anna, Nathan e Tracy, que em Lima partiu de volta para a casa. Quando o avião estava para aterrissar em Cusco, percebi que Elyse e Felix estavam no mesmo vôo. Tatiana também deveria estar, mas Elyse havia se perdido dela e não tinha certeza se ela havia conseguido embarcar em tempo. Aguardamos um tempo e, como ela nunca apareceu, dividimos um táxi para nossas pousadas. Eram lugares diferentes, mas ambos no Centro da cidade.
Logo de cara, já me apaixonei pelo lugar. Construções de pedra, meio mal acabadas, ruelas superestreitas, uma arquitetura que não parece com nada que já havia visto. A impressão só melhorou quando finalmente cheguei na Casa de Ingrid, onde me hospedaria pela noite. Muito simpática, Ingrid me recebeu com um abraço carinhoso. Me mostrou a casa, meu quarto, o banheiro e ficou um tempo conversando sobre os costumes locais. Me disse que a região não era perigosa, mas que o ideal é que eu não ficasse na rua além das 22h30. Ainda me fez um chá de coca, quando percebeu que me senti um pouco tonta com a altitude. Me serviu e disse para que eu descansasse um pouco.
Havia combinado com a Elyse de encontrá-la no Green Point, um restaurante vegano muito bem recomendado por ela. Assim que consegui recuperar o fôlego, andei até lá. A cada passo, me apaixonava mais e mais pela cidade. E o restaurante era tudo o que eu precisava. Era já passado das 14 horas, mas ainda serviam um menu especial de almoço. Salada a vontade, uma sopra de batatas e aveia, um prato de ravioles recheados com moranga e ainda uma sobremesa de manga. A comida estava deliciosa. “Assim até dá para ser vegana”, comentei com Elyse.
Depois Nathan se juntou à nós e, mais tarde, Tatiana. Demos uma caminhada pelo Centro e retornei à pousada para dar uma descansada e testar o chuveiro, que foi plenamente aprovado. Logo Anna enviou uma mensagem falando sobre um mini show que um amigo faria no Centro à noite e nos convidando para ir. “Ele vai tocar Ô Chuva”, me disse como argumento para que eu fosse. Nathan e eu decidimos dar uma caminhada por ali, indo até a Plaza das Armas e entrando nas várias lojinhas com peças típicas e obras de arte. Jantamos por ali, no restaurante Morena. Ali experimentei a chincha, uma bebida fermentada de milho bem típica da região. Saímos do restaurante e andamos em direção ao bar, apesar das contra indicações do segurança do restaurante que disse ser um caminho perigoso. “He doesn’t know you have a badass guy watching over you (Ele não sabe que tem um cara muito foda cuidando de ti)”, Nathan disse. Fato, nada melhor do que caminhar à noite acompanhada de um ex-sniper do exército americano.
Era uma subida íngreme e tive que parar algumas vezes para recuperar o fôlego e ver se meu coração saía da boca e voltava para o lugar dele. É complicado quando tentamos puxar o ar e ele não vem. Mas de pouco em pouco, cheguei lá. Era um bar bem simples, típico da região. Logo chegou Anna, super feliz de nos encontrar. Nos apresentou o músico, um boliviano cheio de presença, que a havia ensinado a cantar a tal da música que ela nunca mais parou de pedir que eu cantasse. Todos muito simpáticos e carinhosos, cumprimentam com abraços apertados e beijos, assim como nós brasileiros. Anna me fez comer coca por três vezes, ainda que eu dissesse que estava bem e que não havia gostado tanto assim de mastigar as folhas. Obedeci.
Capítulo 23
Acordei bem cedo no dia seguinte. Estava feliz com Cusco, com a pousada e com o dia de ontem. Nathan logo enviou mensagem e o convidei para um café da manhã antes que eu fosse até o local de partida para minha viagem à Machu Picchu Pueblo, ou Águas Calientes. O único lugar aberto no domingo pela manhã era o próprio Green Point. Sorte a nossa, já que além da comida boa, as opções veganas estavam permitidas na manutenção da dieta da Noya Rao. Nathan me trouxe de presente um saco de farinha de coca. Vibrei.
Meu nariz havia desistido de trabalhar e estava totalmente trancado. “De que serve um nariz se não há oxigênio?”, pensei comigo mesma. Assim, economizando o pouco ar que entrava, fui caminhando em direção ao escritório da Inka Rail de onde sairia uma van até Ollantaytambo. Lá pegaríamos o trem até Machu Picchu Pueblo. O lugar era bonito e me fez pensar que havia escolhido bem entre tantas opções de agências e passeios. As pessoas que chegavam eram divididas entre duas vans e as 10h15 em ponto, saímos.
O trajeto mal começou e me vi com um sorriso no rosto que insistiu em permanecer por ali. A cada curva no meio da cidade e depois, a cada descida por entre as montanhas, meu coração se enchia de alegria. Eu estava sentindo a medicina, não sabia se Noya Rao ou Ayahuasca, mas era intensa e poderosa. Era como se eu pertencesse àquele lugar. Me sentia cheia de amor. Ria sozinha enquanto as pessoas se balançavam tentando fazer fotos.
Mandei uma mensagem para Anna falando sobre minhas sensações. Ela respondeu com um áudio: “Senti a mesma coisa quando fui a Machu Picchu. Ir à esse local sagrado é como ir ao encontro de um Maestro ou Maestra. Sentimos a energia e a proteção. Tu é uma pessoa com esse poder, imagino como deva estar se sentindo e fico muito feliz por isso”. Era isso. Eu estava sendo atraída por uma força invisível e me sentia indo diretamente em sua direção.
A viagem de trem é linda, lenta e cercada por muito verde. Um abraço de Noya Rao. Não fossem os dois brasileiros no banco ao lado, que não pararam de falar um minuto, teria sido um momento mágico. Mas com os recentes problemas que tive com meu telefone, nem colocar uma música eu consegui. Ainda assim, foi uma viagem muito gostosa. Recebemos uma bandeja com almoço, que continha um wrap de frango, uma barra de proteína, uma bergamota e um cacau. Achei chique.
Wilson, gerente da pousada Samananchis, em Machu Picchu Pueblo havia me enviado um e-mail perguntando o horário do meu trem pois me esperaria na estação. Mas quando cheguei, não havia ninguém com meu nome por lá. Felizmente ele logo chegou. Fomos caminhando até a pousada enquanto ele me explicava tudo sobre onde eu deveria comprar os tíquetes de amanhã e mostrando onde pegar o ônibus.
A cidade é incrivelmente encantadora. Pequena, cheia de lojas e restaurantes que podem às vezes ser um pouco agressivos na tentativa de conquistar os turistas. Nada que um “no, gracias” com um sorriso no rosto não resolva. Da pousada, fui direto comprar o que precisava para amanhã. Não haviam mais ingressos para as seis da manhã, então tive que comprar para as sete horas. Os ônibus não têm hora, então vale quem chegar primeiro na estação. Fiquei apreensiva. Wilson me recomendou que saísse ao menos uma hora antes.
Caminhei por tudo. Fotografei mais naquele dia do que em toda a viagem até ali. Da mesma forma, fiz mais compras do que já havia feito. Tudo ali me encantava. As cores, as pessoas, o rio, as esculturas espalhadas pela cidade. Por vezes era tomada por uma emoção forte, o que me fez escolher um dos muitos bancos espalhados e fechar os olhos por ali, sentindo a vibração e as mensagens que estava recebendo.