O pesadelo da Montanha Colorida

Capítulo 25

Quando cheguei na Casa da Ingrid só conseguia pensar no que seria de mim no dia seguinte. Havia combinado com o Nathan de irmos à Montanha Colorida e a Ingrid já tinha organizado tudo. Respirei fundo, confirmei com o Nathan e rezei para acordar melhor no dia seguinte. O Nathan ainda me disse que havia passado bem mal o dia, que a altitude o tinha pego de jeito. Ainda cansada, decidi sair para jantar. Afinal, eu só havia almoçado às 11 da manhã e teria que madrugar no dia seguinte.

———

Eram 4h30 quando recebi uma mensagem do Nathan desistindo do passeio. Dizia que havia passado boa parte da noite acordado, com enjôo e vômito. Eu queria desistir também, mas decidi encarar e, às 5h30, estava pronta, esperando pelo ônibus que passaria para me buscar.

Assim que encontrei um lugar, fechei o olho e voltei aos sonhos. Sabia que andaríamos por volta de duas horas até a cidade de Cusipata, onde pararíamos para tomar um café da manhã. Estava eu sozinha, em um grupo de aproximadamente 30 pessoas. Sentei ao lado de uma Equatoriana simpática, mas que pouco conversava. Agradeci aos céus por essa dádiva. O café da manhã aconteceu numa casa meio abandonada. Uma espécie de armazém vazio + mercadinho oportunista + duas mesas compridas com pão e manteiga. Depois ainda apareceu uma mini fatia de omelete.

Comi o pão com manteiga e logo lembrei que ainda não poderia comer nenhum derivado de leite. Dor de barriga na certa. Comi o omelete, tomei um chá de camomila e voltei para o ônibus. Seriam mais uma 1h15 de viagem até o pé da montanha e cada minuto de sono contava.

A Montanha Colorida fica à 4,5 mil metros de altitude, com um trecho final que chegava à 5 mil. O oxigênio ali, é equivalente a 50% do que temos disponível a nível do mar. E isso a gente sente logo na chegada. A sensação é péssima. Puxa o ar e ele não vem. O coração acelera. O corpo sente o cansaço mesmo sem se mexer. E para piorar, olhei para frente e vi que a trilha era longa e bem hard core. “Por que eu fui inventar de descer Machu Picchu a pé? Por quê?”, era só o que eu pensava.

Comecei a subida, devagar e sempre. A trilha era bem disforme e cheia de obstáculos, então era preciso ficar atenta. Olhava para a frente e sentia que o fim nunca chegaria. A cada distância percorrida, um tempo para descansar. Mas era só dar os primeiros passos de novo para  se sentir no final de uma maratona. Devo ter caminhado perto de um quilômetro quando decidi que alugaria um cavalo para me ajudar no trajeto. Eu havia lido à respeito. Existia esse serviço, ainda que os bichinhos não fossem até o fim, mas a maioria das pessoas desencorajava. Do que eu havia lido, depoimentos de cavalos cansados que até se ajoelhavam em função da exaustão física. Eu, claro, havia decidido ir com minha próprias pernas. Mas essa decisão não durou muito tempo.

A verdade é que na frente do cavalo, vai uma pessoa “dirigindo”. Ou seja, se o cavalo tá cansado, pode apostar que tem sereshumaninhos cansados também. Assim, achei, ou quis acreditar, que nenhum animal seria exposto a um trabalho além do seu limite, já que a medida era exatamente o limite de um ser pensante. Ainda assim, fiz o caminho todo conversando com meu cavalinho e fazendo carinho no pescoço e nas orelhas. Eu precisava dele naquele momento e ele precisava me perdoar por isso.

Quando o moço indicou que eu descesse, olhei para a frente e não pude acreditar na incrível subida que teria que encarar. Era tão íngreme que haviam cordas para que pudéssemos ajudar as pernas com os braços ao mesmo tempo em que poderíamos tentar manter o equilíbrio. Foi muito sofrido! A parte boa, no entanto, são as amizades que se faz nos momentos de desespero. Claro que os bem preparados passavam lotados rumo ao cume, mas entre os mortos-vivos, muito apoio moral e camaradagem. Uma moça inclusive fazia um discurso, entre tentativas de encontrar oxigênio, dizendo que estava orgulhosa por termos todos chegado até ali.

Por fim, cheguei ao topo. Não conseguia admirar a paisagem ou sequer procurar as tais sete cores da montanha. Eu precisava sentar e tentar recuperar o fôlego. As pernas tremiam, as mãos tremiam, meu corpo doía e eu sentia vontade de desabar no choro ali mesmo, aos pés da turistada faceira por ter chegado até ali. Logo lembrei da minha quinta Cerimônia e do quanto eu havia entendido que precisava respeitar meu corpo e meus limites, e o quanto eu estava fazendo tudo errado de novo.

Finalmente levantei. Olhei para a Montanha e para toda a sua complexidade, sorri, e entendi que era hora de voltar.

A descida me exigia menos dos pulmões, mas ainda mais das pernas, já incrivelmente doloridas do dia anterior. Agarrada à corda, dava passos curtos e, por vezes, escorregadios. Uma menina atrás de mim me encorajava. Estava seguindo meu ritmo. Juntas iríamos até o fim. Me sentia como se estivesse bêbada, sem controle das pernas, trôpega.

Ainda assim, entendi que não precisaria de cavalo para a volta. E não demorou muito para que eu entendesse que eu havia entendido errado! Eu sentia muita dor. Queria me jogar no chão e ficar por ali mesmo. Sentava um pouco sempre que dava, mas ao mesmo tempo, queria chegar logo de volta e me acomodar no ônibus. Mas aquilo parecia interminável. A cada curva na montanha, mais trilha e mais trilha. E nunca enxergava o fim. Eu rezava, tomava água, entoava mantras. Pedia ajuda à Noya Rao para que me desse forças, mas o que ela me deu foi o gosto da medicina ainda mais forte.

Eu estava vivendo tudo aquilo de novo. O terror da falta de ar, do enjôo, da dor, do medo. Cambaleava na terra vermelha, agora consciente do quanto eu havia falhado comigo mesma. Me transportei para aquele momento na Maloca, em que Anna segurava a minha mão e me guiava na respiração, para que eu me acalmasse e recuperasse o fôlego. Repetia cada movimento, revivia cada recomendação. E, aos poucos, um passo de cada vez, fui chegando mais perto da chegada. Quando finalmente cheguei no ônibus, mal consegui sentar.

O mal estar era tão forte, que só o que eu podia fazer era dormir. Não teria forças nem para levantar e sair do ônibus caso precisasse vomitar. Novamente, me concentrei na respiração, contada cada inspiração e cada expiração. Aos poucos fui adormecendo.

Quando chegamos de volta no lugar onde tomamos café da manhã, dessa vez para almoçarmos, tudo o que eu queria era permanecer no ônibus. O simples ato de levantar da poltrona e, pior ainda, descer as escadas do ônibus, me fizeram o estômago revirar. No almoço, comi algumas colheradas de sopa, tomei um chá mate doce, e fui para a rua tomar um ar. Por sorte, não demorou muito para que todos estivessem de volta e para que eu pudesse voltar ao sono.

Nesse dia eu não consegui subir a pé pelo Centro até a Casa da Ingrid. Peguei um táxi, tomei um banho e caí direto na cama, de onde eu só saí na manhã do dia seguinte.

Capítulo 26

Nathan, Tatiana e Elyse haviam ido ao Vale Sagrado e me enviavam mensagens para que fosse para lá também. Eu não queria me ver obrigada a nada, queria apenas descansar. Assim, fiquei em Cusco mesmo. Só saí do quarto para almoçar, e ainda assim, com muito esforço. Antes de sair, conheci Heidi, uma pessoa do mundo. Deve estar na casa dos 60 anos, se disse havaiana, apesar da pele clara, dos olhos azuis e dos cabelos loiros. Ainda assim, disse que vive no mundo há mais de cinco anos, então não se considera de um lugar só. 

Depois do almoço, resolvi dar uma caminhada de leve pela cidade. Precisava encontrar uma farmácia para comprar um relaxante muscular e dar uma soltada na musculatura que tava toda rígida e contraída. Na Plaza de Armas, uma surpresa agradável. No mês de junho se comemora o aniversário de Cusco, junto com o solstício de inverno. E como parte das celebrações, é realizado um campeonato de dança entre todas as escolas da cidade, públicas e particulares. Me diverti muito com as danças, especialmente dos pequenos, que mostravam concentração e entrega à coreografia.

Fiquei ali, sentada em frente à igreja, assistindo a cada uma das turmas. Um dos policiais, sempre muito simpáticos, foi quem me explicou sobre o que estava acontecendo.

Com o relaxante muscular tomado, voltei para a pousada. Tinha ideia de dar uma volta à noite. Havia pesquisado alguns lugares interessantes para dançar e conhecer gente, mas Noya Rao me colocou no meu lugar. Se eu ainda não havia aprendido a cuidar de mim, ela iria fazê-lo a todo custo. Primeiro veio um enjôo super forte e, na sequência, uma diarréia sem fim. Fiquei horas entre o quarto e o banheiro, até que finalmente dormi, de roupa e tudo, sem banho e sem escovar os dentes. Só acordei no dia seguinte.

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