Lições da Aya

Capítulo 15

Minha quarta Cerimônia de Ayahuasca foi muito ruim. Mais uma vez, fui a primeira a vomitar e, dessa vez, sentia chegar também uma diarréia. Fui ao banheiro, mas foi só eu sair da Maloca para perceber que minha pressão estava no pé. Achei que fosse desmaiar. Estava muito zonza e enjoada e estavam todos ainda em silêncio, concentrados em suas experiências individuais.

Me joguei de joelhos no colchão e peguei o pote de vômito no colo. Sentia que eu iria cair a qualquer momento. Eu precisava pedir ajuda, mas sentia vergonha. Tínhamos recém bebido a medicina. Estavam todos deitados. Quem viria me ajudar? Respirei fundo e bati três vezes no chão com a força que eu ainda dispunha. Anna logo veio ao meu encontro. “I’m gonna faint (Eu vou desmaiar)”, eu disse. Ela pediu que eu repetisse. “I think I’m gonna pass out (Eu acho que vou apagar)”, repeti.

Anna me segurou, ali sentada como estava e pediu que eu tomasse água. Tomei o maior gole que consegui e deitei. Meu mundo girava como se eu tivesse ingerido duas garrafas de Tequila. Comecei a suar frio e minhas mãos começaram a ficar dormentes. Ana pegou minhas mãos, me orientou para que eu respirasse profundamente e devagar e, ao mesmo tempo, começou a realizar a Soplada sobre minha cabeça, meu rosto, meu peito, todo o meu corpo. Fui recuperando o fôlego. Então veio a Água de Florida. Ana molhou suas mãos e colocou bem no meu nariz para que eu respirasse. Me sentia melhor, mas ao mesmo tempo, precisando de ar puro por causa da fumaça do Mapacho e do perfume. Pensava que deveria ter comido sal durante o dia. Já estava sentindo falta e conhecia bem meu histórico de pressão baixa. 

Fui melhorando aos poucos e, depois de algum tempo, Anna retornou para o seu lugar. Mas logo a sensação de desmaio voltou e bati novamente três vezes no chão. Anna veio e, mais uma vez, me orientou para que eu controlasse a respiração. Logo, meu corpo começou a tremer. Primeiro as mãos, depois braços, ombros, costas. Especialmente o lado direito. Peguei a mão da Anna. Estava assustada. Pedi desculpas, me sentia culpada por monopolizá-la. “Não precisa pedir desculpas, estou feliz por estar aqui”, ela respondeu. Comecei a chorar. O tremor não parava. Fui sentindo como que um ataque de pânico.

Pensava se havia danificado minhas funções neurológicas de alguma forma, se estava fazendo tudo errado, se havia comprometido minha saúde. Era aterrorizante sentir o corpo se movimentar de forma involuntária. Perguntei à Anna porque eu estava tremendo. “É perfeitamente normal”, explicou ela, “é um descarrego de energia que precisa sair. Deixa tremer”. Não soltei sua mão até que me acalmasse e os tremores se tornassem mais espaçados.

Tomava muita água. Queria que o efeito passasse, mas consegui com isso foi uma vontade de ir ao banheiro. Anna me acompanhou e lá eu fiquei por um certo tempo. Sabia que estava botando a Ayahuasca para fora e, com ela, uma carga que eu não queria para mim. Quando retornei, estava mais tranquila e consegui relaxar, deitada no colchão.

Quando Maestra Juanita chegou para cantar em frente a mim, meu corpo voltou a tremer mais uma vez, especialmente o lado direito. Fiquei ali, sentada em frente à ela, e deixei tremer. Eu estava em segurança e precisava de alguma forma descarregar essa energia que estava em mim. Cheguei a pensar em levantar e começar a dançar, mas fiquei com medo de derrubar alguém, alguma coisa ou eu mesma cair.

Juanita passou e os tremores seguiram, cada vez mais esparsos. Deitei novamente e ouvi ela passando por cada um dos quatro que vinham depois de mim. Eu queria que aquela Cerimônia terminasse. Visões vinham, mas tinha medo, então as bloqueava. Não me rendi como talvez devesse ter feito para matar o que precisava ser morto. Não deu. Maestra seguia cantando e parecia que aquilo nunca teria fim. Até que veio o silêncio e Anna foi perguntando, um a um, sobre como estavam se sentindo.

Quando chegou minha vez, contei que havia passado por maus bocados, mas que agora estava bem. Cantei “Me Cura de Mim” e depois Anna pediu que eu cantasse novamente “Ô chuva”. Parece que cantar realmente ajuda. Ao final, seguimos cantando, todos juntos. Primeiro saíram Elio e Juanita, depois Anna. Ficamos nós ali, cantando. Um tempo depois me despedi de todos e retornei para o meu Tambo. Precisava ir no banheiro e já queria aproveitar a viagem. Mais uma vez, dormi profundamente.

Capítulo 16

Acordei sentindo ainda a pressão baixa. Não era exatamente um enjôo, mas uma falta de energia. Na roda de conversa, contei sobre minha experiência, mas que ainda não entendia o significado dela. Disse que lembrava de um momento em que pensei para mim mesma: “Lembra bem desse sentimento para que tu não tomes a medicina na próxima Cerimônia”. Prometi que contaria assim que compreendesse o aprendizado que deveria tirar da noite anterior.

Anna então me explicou que os tremores são perfeitamente normais e são sintomas de que tinha muita energia em mim que não era minha. Falou que poderia ser inclusive herança genética, de várias gerações, que chegam pra gente através do DNA. Sugeriu que eu não buscasse entender, que apenas aceitasse que foi o que foi, e que o que precisava sair, havia saído. Elio reforçou falando da minha força e segurança. Respondi: “Mas entrei em pânico!”. Ele me explicou que, ainda assim, eu tive calma para controlar minha própria respiração e me acalmar. Elio acabou compartilhando que também experimentou muita tremedeira durante a Cerimônia. John também.

Conversando com John à tarde – hoje terminou o silêncio e pude então conhecê-lo melhor – lembrei do Espiral do Encontro e de um exercício que fizemos. De acordo com o Bernardo, que facilitou o encontro, os animais não guardam rancor ou raiva de outros animais pois chacoalham toda a negatividade depois de uma briga ou fuga. Assim, ficamos uma música inteira chacoalhando para tirar essa energia do nosso corpo. Talvez eu deva mesmo tremer mais.

Capítulo 17

Usei um pouco de sal no almoço e foi uma bênção. Senti a energia voltando ao meu corpo. Só não salguei tudo pois fiquei com vergonha, mas vontade eu tinha. Teve peixe e estava delicioso. Disseram que havia sido feito pela própria Juanita.

A tarde teríamos um Baño de Amor. Era uma mistura de plantas, preparadas pela Maestra, que traria amor, abundância, boas energias. Um a um, sentamos no banquinho em nossos trajes de banho para que Juanita despejasse sobre nós aquela água perfumada. A orientação era para que não desgrudássemos do corpo as folhas e não tomássemos banho até o dia seguinte. Assim eu fiz. O perfume do Baño de Amor era delicioso.

O tremor, o sal e o Baño me trouxeram uma energia nova. Me sentia bem, renovada. Havia conversado com John e com a Tatiana, havia tocado músicas para a Tracy. Havia brincado com o Felix. Era uma nova pessoa.

No final da tarde, queimamos o Despacho. Nathan montou o fogo e nosso pacote queimou lindamente enquanto conversávamos em torno da fogueira. Dali, parecia que montaríamos uma caravana para Cusco e eu iria adorar a companhia desses novos amigos por lá. Otto veio perguntar se eu estava melhor. Falamos um pouco sobre a experiência que eu havia passado e ele me contou que quando me ouviu, achou que fosse uma barata que havia passado em cima de mim. Acho que ando fazendo drama demais.

Encerramos esse dia lindo com uma sessão de Nidra Yoga, conduzida pela Tatiana. Ela me explicou que é uma técnica super antiga, indiana, que consiste em uma meditação profunda, sem movimento, como se fosse um sonho lúcido. Deitamos nos nossos colchões na Maloca e seguimos nossa professora interina que nos guiou por uma viagem dentro de nós mesmos, para depois nos conectarmos com todo o cosmos. É uma técnica bem poderosa. O relaxamento foi tamanho que ao final me vi toda picada por mosquitos, que fizeram a festa sem que eu ao menos sentisse. Mais uma boa prática para ser adotada na rotina.

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