Daily Archives: 17 de julho de 2020

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Das lições

Capítulo 10

Tomei a bebida e logo em seguida já vomitei boa parte. Quase não segurei por tempo suficiente para apagarem todas as velas. Me deitei e fiquei por ali, meditando. Passou um tempo e não senti nada. Comecei a pensar em tomar uma segunda dose, mas decidi não fazê-lo. Ao invés disso conversei com ela. “Tu que me fizeste te vomitar quase toda, agora vai ter que trabalhar com o que quer que seja que sobrou de ti em mim”, pensei com convicção.

Segui por ali, deitada, meditando. De repente, passei a sentir cada movimento da sala. Uma sensação de atenção total, como se todos os meus sentidos estivessem em estado de alerta. Ouvia cada som, cada barulho, cada batida no chão (era nosso sinal para pedir ajuda aos facilitadores), cada acendida de Mapacho, cada cheiro. Era como um super poder. Mas um super poder exaustivo. Eu estava me sentindo enjoada. E os cheiros do Mapacho e da Água Florida começaram, aos poucos, a ficar insuportáveis.

Do meu lado direito, sentia uma das participantes passando por um momento muito difícil. Eram traumas intensos sendo colocados para fora com a angústia de quem os enterrou durante muito tempo. Eu sabia que Elio estava com ela, mas queria muito lhe dar a mão e dizer que eu estava ali para o que ela precisasse, mas não podia. Ainda deitada, começaram a escorrer lágrimas dos meus olhos. Não havia choro ou desespero, apenas lágrimas vertendo como que sem fim. Pedi à Auahuasca que me mostrasse o que é que estava me causando aquelas lágrima. Não conseguia entender.

De repente a colega do meu lado esquerdo começou a chorar com muita força. Maestra Juanita havia passado por ela e estava na minha frente, mas retornou a cantar em frente à ela. Dizia-lhe “no chores”, “tome água” e cantava, pedindo que a Ayahuasca a deixasse naquele momento. Queria abraçá-la, dizer-lhe que é ok chorar de vez em quando. Mas não podia. Logo os esforços da Maestra tiveram sucesso e o choro se transformou uma risada de alívio. No dia seguinte, na roda de conversa, soube que o trabalho ali havia sido realmente intenso. Impressionante como Juanita sabia que não era um choro normal.

Esse é o exemplo da conexão que os xamãs criam com as medicinas da floresta. Não é uma bebida, mas um espírito, uma força, uma energia. E é com essa energia que a Maestra se comunica. E assim como a desperta, tem o poder de fazê-la dormir. Maestra Juanita tirou como que com a mão os efeitos da Ayahuasca de quem estava à minha esquerda. Foi como um desencarne. Ela soube, através de uma comunicação que nem ela sabe explicar, que naquele momento, minha colega não estava pronta para ver o que a Ayahuasca estava mostrando. E encerrou a conexão. Simples assim.

Eu seguia perguntando o motivo das minhas lágrimas, e elas seguiam rolando pela minha face. Vomitei mais algumas vezes. Me perguntava o que seria que eu estaria vomitando. Com quase 70 horas de jejum, eu sabia que comida não era. Ouvia um dos meninos fazer um som, repetidas vezes, que misturava a soplada com um assovio. Pensava “o que é isso? Será que eles está bem?”. Até que a exaustão me derrubou e domi.

Acordei com os cânticos finais da Maestra e, logo em seguida Anna fez a roda, perguntando como estávamos e se gostaríamos de cantar uma música. Havia chovido muito durante o dia e a noite e desde que eu chegara, Anna me falava de uma música brasileira que ela estava aprendendo. “Ô chuva!”, me dizia ela. Então decidiu me convidar a cantá-la. Eu e meu nenhum talento vocal, abraçamos o desafio.

“Você quem tem medo de chuva
Você que não é nem de papel
E muito menos feito de açúcar
Ou algo parecido com mel
Experimente tomar banho de chuva
E conhecer a energia do céu
A energia dessa água sagrada
Que me abençoa da cabeça aos pés
Ô chuva, eu peço que caia devagar
Só molhe esse povo de alegria
Para nunca mais chorar”.

Cantar havia me ajudado com a náusea, então tomei a água, como indicado e retornei ao meu quarto. Foi aí que a mágica aconteceu.

——–
Deitada na minha cama, comecei a entender melhor as coisas. Compreendi que todos temos esse super poder da sensibilidade. E que eu talvez houvesse desenvolvido um sexto sentido para quando alguém não está bem. As pesoas passaram a dividir suas negatividades comigo. E não era culpa de ninguém. Ao contrário, por muitas vezes eu insistía para que dividissem comigo suas angústias. Era como se as pessoas filtrassem suas dores na minha energia. Eu sempre queria dar a mão ou um abraço, mas o grande problema era que quando era eu que precisava de uma mão ou um abraço, eu não sabia pedir. E nesse momento eu pensei na música que eu havia cantado.

A Ayahuasca havia sido muito gentil comigo e me sentia muito grata por isso. Também sentia uma gratidão imensa pelas forças ao meu lado, que ainda que em momentos tão dramáticos, me ajudaram à dar luz à algumas reflexões. Agradeci à Anna pela música.

No final, uma imagem me veio a cabeça. Era Noya Rao, no formato de uma árvore humana, que me pegava em seus braços/galhos e me colocava para dormir. Deitou-se ao meu lado e ali ficou, me confortando. Me deixei cuidar…

Ainda demorei bastante até pegar no sono. O super sentido seguia aguçado e estava chovendo na floresta. Era um festival de sons. Mas quando consegui, foi um sono pesado e profundo. Havia entendido uma lição importante.