Daily Archives: 4 de junho de 2020

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Muito prazer, Ayahuasca.

Capítulo 6

As 19 horas e 30 minutos, conforme o combinado, estávamos todos à postos para a Cerimônia. Eu, de calça legging e moletom, os outros com travesseiros, cobertas e vestindo seus pijamas. Era um sinal de que eu não havia entendido bem a mensagem. 

Colchões espalhados em semi círculo. No centro estavam a Maestra, Elio e Anna. Elio então passou o recipiente onde estava a Noya Rao para Maestra Juanita, tirou a tampa e deixou que ela fizesse contato com seus espíritos, pedindo proteção e luz para o dieteros. Maestra cantou e assoviou, com a cabeça praticamente dentro do recipiente. Os assovios, baixos e falhos, são chamados de ícaros.

Com o chá abençoado, chamaram um a um dos participantes, iniciando por Elyse. Ela sentou-se em frente a Elio, que lhe entregou o copo com a bebida. Arrastou-se um metro e parou então em frente à Maestra, que fez a soplada (fuma o Mapacho e solta a fumaça na cabeça, mãos e rosto). Ne sequência veio Tatiana, depois Tracy. Havia chegado, então, a minha vez.

Segui com o comportamento das que vieram antes de mim. Sentei-me em frente a Elio, recebi o copo e, antes de beber, reforcei minhas intenções, pedindo para que a planta me guiasse pelo melhor caminho para o meu aprendizado. Bebi a Noya Rao e, para minha surpresa, achei bem saborosa. Um chá amargo, como gosto. Sentei-me em frente à Maestra e recebi, eu mesma, a soplada. Ao meu lado estavam, na ordem, Adelina, Nathan, John e Otto.

Quando todos haviam bebido a Noya Rao, Elio nos ensinou sobre o Mapacho. Haviam cigarros com essa mistura à disposição, assim como Água de Florida, Palo Santo e velas. Pediu que acendêssemos nossos Mapachos e fizéssemos três sopradas por vez. Primeiro para cima, depois para a direita, então esquerda e, por fim, em nossas mãos abertas em frente ao rosto, para que pudéssemos espalhar a fumaça por nossa cabeça. O gosto era bem forte, então deixei que ele apagasse depois dessa primeira aula. O Mapacho, assim como a Água de Florida, deveriam ser utilizados durante a Cerimônia para casos em que o participante estivesse percebendo a Ayahuasca muito intensa e precisasse pedir proteção.

Iniciamos então a Cerimônia. Mas antes, acordamos todos que o dia seguinte seria de jejum.

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Eu estava animada com o que a Ayahuasca poderia me apresentar. A tarde havia conversado com Nathan, que me contou um pouco da sua experiência com a bebida medicinal. Perguntou se eu estava nervosa. “Na verdade não. Não li muito a respeito, então não sei exatamente o que esperar. Estou é curiosa com o que ela pode me mostrar”, contei.

Na mesma ordem da Noya Rao, Elyse foi a primeira. Sentou-sem frente a Elio, que lhe ofereceu a bebida. Tomou, fez um som de desagrado e retornou ao seu lugar. Enquanto Tatiana se deslocava, Elyse enxaguava a boca com água e cuspia no balde do vômito diversas vezes em sequência. Elio havia dito que isso poderia acontecer. Como o sabor da bebida não ela muito agradável, poderíamos fazer esse enxágue, mas sem beber a água. 

Fiquei um pouco apreensiva, mas Tatiana segurou a onda e voltou ao seu lugar em silêncio. Da mesma forma, Tracy. Era a minha vez.

Capítulo 7

Passei o dia tentando compreender o que havia se passado na noite anterior. Havia sido uma experiência poderosa, mas ainda confusa quanto às mensagens que eu precisaria entender. Me sentia bem, porém um pouco cansada. Meus pensamentos estavam desordenados e eu tentava, com bastante dificuldade, elaborar um pouco do que eu estava sentindo.

A Ayahuasca havia sido servida em uma copo pequeno, feito com madeira de Noya Rao. Era uma dose que se podia beber de uma só vez, o que facilitou um pouco as coisas. Era espessa, arenosa e, extremamente doce. Sentia cheiro de melaço de cana, apesar de saber que não havia melaço na fórmula. Voltei ao meu lugar, deitei e pensei: “OK, não é tão ruim assim”. No que pareceu um minuto depois, estava com o pote de vômito em meus braços e colocava para fora muito do que havia dentro de mim. Estranho, mas foi uma sensação libertadora. 

Apesar de ter absorvido bem o discurso sobre render-se e deixar o universo me mostrar o melhor caminho, sempre tive um comportamento bem controlador. Como disse: na prática, muita teoria. A Ayahuasca me pegou no contrapé. Chegou dizendo “aqui quem manda sou eu”. E assim foi por toda a noite. Era uma apresentação, estávamos apenas nos conhecendo. Mas ela deixara claro, desde o início, sua força e poder sobre mim.

Ela me fazia sentir muito sono, mas ao mesmo tempo, não me permitia dormir. Foram horas de senta, levanta, deita, vira, senta de novo… Uma inquietação física, reflexo da inquietação da mente. Aos poucos, algumas visões apareceram. Primeiro era uma luz. Apenas um ambiente claro, uma luz branca, fluorescente. Depois, corujas. De diversos tipos e cores. Esses momentos vieram em sequência, ao que me pareceu, mas pararam por aí.

Enquanto isso, Maestra Juanita rastejava pela sala, parando em frente a cada um e cantando hinos e ícaros Shipibo. Era incrível observar o poder daquele ser tão pequeno, com idade para ser minha avó, cantando por quase uma hora em frente a cada um de nós, num total de quase seis horas ininterruptas.

Eu queria dormir, mas ao mesmo tempo, sentia a presença da Maestra se aproximando. Queria aproveitar cada segundo daquela magia, mas tinha dificuldade de lutar contra o sono. Sabia que poderia estar deitada quando cantasse para mim, mas ao mesmo tempo, queria honrar sua presença e admirar sua força de perto. Até que ela chegou.

Meu corpo, involuntariamente, acompanhava com movimentos leves as canções entoadas por Juanita. Ela, ali sentada enfrente a mim, cantava como que possuída por um espírito superior. Movimentava os braços, horas na minha direção, horas para o céu. A escuridão da mata era forte, mas os movimentos eram vistos e sentidos. Foi um momento de muita humildade frente a tanto vigor e tanta sabedoria. Meu corpo ali, dançando conforme a música. Minha cabeça tentando lutar contra a submissão e se manter racional o tempo todo.

De repente Maestra Juanita parou de cantar. Levantou o braço, como que pedindo que eu baixasse a cabeça. O fiz, encostando a testa no colchão. Ela então tocou no alto da minha cabeça, botou na boca um pouco de Água Florida e como se a estivesse soprando, a derramou sobre mim como em forma de vapor. Fez isso algumas vezes antes de rastejar para Adelina.

Quando pensei que havia chegado a hora de dormir, a Ayahuasca me mostrou de novo quem estava no controle. Assim que deitei, ela me trouxe de volta para a posição sentada e fez com que eu vomitasse ainda mais, o que agora imaginei ter sido absolutamente tudo o que havia em mim. Aí sim, deitei e dormi. 

Quando acordei, sentia frio. Maestra Juanita estava de volta no centro do semi círculo e entoava os cânticos finais, encerrando a Cerimônia. Quando terminou, Anna perguntou a cada um como estava e se desejava cantar uma música. Todos passaram a vez, até que Adelina começou a cantar lindamente. Foi como um transe coletivo. Uma meditação orgânica, natural. Maestra pediu que ela cantasse outra e ela assim o fez. Elio e Anna também cantaram algumas músicas antes de encerrarem a Cerimônia e permitirem que tomássemos água.

Sentia frio, então retornei para o meu Tambo. Eram quase três da manhã, dormi então por mais cinco horas.