Capítulo 4
O segundo dia foi bastante intenso. Começando pela aula de yoga. Achei que tiraria de letra, afinal, anos de pilates deveriam me ajudar com relação a flexibilidade. Ledo engano. As posições que Anna demonstrava como para iniciantes exigiam força, equilíbrio e concentração. Mas no fim deu certo. Valeu ter carregado um tapete para esse fim.
Depois do café da manhã iniciaram as consultas individuais com Maestra Juanita. A ideia era passar para ela quais eram as nossas intenções com o retiro e que respostas estávamos buscando. A dinâmica seria um pouco caótica. O participante falaria em inglês, o Elio traduziria para o espanhol e o sobrinho da Maestra traduziria para Shipibo. Sendo assim, decidi me arriscar no espanhol e encurtar um pouco as coisas. Deu certo!
A Maestra ouviu com atenção. Ela mesma captava um pouco do que eu dizia, pois fala um pouco de espanhol (provavelmente mais do que eu). Aguardou que eu terminasse para falar, mas a mensagem veio em Shipibo. Eu poderia ficar tranquila. A dieta liderada pelo espírito da Noya Rao, a Ayahuasca e toda a experiência, me fariam sair dali uma pessoa diferente. Me assegurou de que me ajudaria no processo e que eu enxergaria novos caminhos possíveis ao final do percurso.
Me incomodou um pouco o fato de logo aparecerem coisas para comprar. Um perfume feito por ela mesma, que traz alegria e amor em abundância e cachimbos feitos da madeira da própria Noya Rao para fumar o Mapacho, uma espécie de tabaco selvagem, distribuído livremente no Centro e muito incentivado durante as cerimônias. Me peguei duvidando da legitimidade da recomendação, mas logo me dei por conta da realidade de índios em qualquer lugar do mundo, isolados e oprimidos, tentando sobreviver da sua arte, cultura e sabedoria.
A partir dali, encontrei uma rede na casa principal e por lá fiquei, com minha leitura, até o almoço. Esse dia não teria jantar, já que à noite teríamos a primeira Cerimônia de Ayahuasca, então teve frango como prato principal. Um alento, apesar da falta de tempero. Mal sabia eu que o frango duraria pouco tempo dentro de mim.
Aquele banho frio para me preparar para a Cerimônia e, às 17 horas estava eu lá, pronta para a reunião preparatória.
Elio e Anna explicaram como funcionaria tudo em detalhes. Iniciaríamos com a Maestra abençoando a Noya Rao e em seguida convidando cada um de nós para tomar um copo de uma bebida preparada com a planta. Depois de um tempo, iniciaríamos a roda com a Ayahuasca, um de cada vez, na mesma ordem inicial. Nos deram recomendações para que cuidássemos com sons e luzes durante a Cerimônia. A Ayahuasca nos deixaria muito sensíveis e idas ao banheiro deveriam ser silenciosas e com a lanterna por debaixo da blusa. A Cerimônia duraria de quatro à seis horas e quando chegasse ao fim, os facilitadores avisariam para que tomássemos água. Também recomendaram trazer um casaco quente e usar roupas confortáveis.
Os participantes foram dispensados para que pudessem se organizar para a Cerimônia de logo mais, mas Elio pediu que Tracy e eu ficássemos por lá, as duas novatas, para que ele explicasse sobre os efeitos da medicina. Primeiramente, pediu que nos despíssemos de qualquer expectativa. “Em algumas pessoas a Ayahuasca pode demorar dias para se manifestar. Às vezes meses. Confiem no processo e não estranhem se nada acontecer”, falou. Também falou sobre o vômito que a bebida provoca, já que era também conhecida como La Purga. Para isso, havia um pote, uma espécie de pinico, ao lado de cada colchão. Também comentou sobre a possibilidade de uma diarréia. E alertou: “Pode parecer que sejam gases, mas não é. Corram para o banheiro”.
Capítulo 5
Eu nunca ouvira fala sobre a Master Plant Dieta, ou Dieta da Planta Mestre. Segundo os materiais que recebi da organização do retiro, a dieta possui papel fundamental na construção da fundação da Ayahuasca como medicina.
Em linhas gerais, a Dieta da Planta Mestre é um contrato feito entre o xamã e o espírito de determinada planta. Os termos desse contrato seriam acertados antes do início da dieta. Foi assim com Maestra Juanita e Noya Rao.
Noya Rao é uma árvore de tronco largo e alto. Dizem ser impossível encostarmos as mãos ao abraça-la, tamanha sua força e grandeza. As folhas são pequenas e luminescentes. Segundo a história, ela desapareceu durante o período Colonial, reaparecendo mais tarde. Hoje existem apenas quatro no mundo, mas espera-se que outras comecem a despertar conforme mais e mais dieteros (quem faz a Dieta da Planta Mestre) se conectem à ela. Suas folhas possuem substâncias luminescentes que as fazem brilhar no escuro. Imaginei a beleza dessa árvore, grande, robusta, protetora, com suas folhas brilhantes na copa, mas também no chão, formando um tapete de luz onde ela própria descansa. Me senti honrada e extremamente grata por ter a oportunidade de ter Noya Rao como guia espiritual.
Noya significa voador e Rao significa Deus. Reza a lenda Shipibo que, quando próxima à um rio, a árvore faz os peixes voarem. Também existem histórias de tribos inteiras que aprenderam a voar depois de se conectarem à Noya Rao.
Conhecida como El Arbor de la Verdad, ou a Árvore da Verdade, Noya Rao traz à luz sentimentos e comportamentos que tentamos esconder. Assim, ela permite que descartemos o que nos faz mal e enfrentemos nossos medos e frustrações. Enquanto outras Plantas Mestres trabalham com dualidade, a Noya Rao trabalha mostrando um único caminho, o caminho da verdade.
Entre os benefícios de ter a Noya Rao como guia espiritual, está a atração do amor, seja ele romântico, em busca de nossa alma gêmea, seja nas diversas relações das quais somos parte. Inclusive, recomenda-se escrever cartas de amor à árvore como forma de manter a conexão, mesmo após o período da dieta. Elio também sugeriu que perguntássemos nós mesmo à Noya Rao sobre formas de mantermos a conexão espiritual. Indica-se que se cante, reze, fume Mapacho, medite e faça oferendas, mas cada caso é um caso e a planta pode pedir que ao invés de cantar, dancemos para ela, por exemplo.
Muito das restrições que foram colocadas no período pré retiro, assim como as restrições impostas no Centro, são para facilitar a absorção das propriedades da planta por nosso corpo. “Quando fazemos o sacrifício de jejuar ou comer comida sem sal, sem temperos, sem alho ou cebola, quando abrimos mão da carne vermelha ou de porco, quando praticamos abstinência sexual, mostramos à Noya Rao que estamos comprometidos com seus ensinamentos. Nosso corpo está limpo para recebê-la”, explicou Anna.
Ganhamos, cada um, uma folha da árvore. Guardo comigo até hoje.